sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O Filho de Netuno VI


Capítulo VI
Parte Dois


 Você estará sob minha proteção, no norte, longe do domínio dos deuses. Eu
vou fazer meu filho seu protetor. Você vai viver como uma rainha, afinal.
            Rainha Marie estremeceu.
            — Mas e quanto a Hazel...
            Em seguida, o rosto se contorceu em um sorriso de escárnio. Ambas
as vozes falaram em uníssono, como se tivessem encontrado alguma coisa
para concordar:
            —Uma criança envenenada.
            Hazel fugiu descendo as escadas, seu pulso acelerou.
            No final, ela correu para um homem de terno escuro. Ele segurou os
ombros dela com fortes dedos frios.
            — Calma, criança. — disse o homem.
            Hazel notou o anel com uma caveira de prata em seu dedo, então o
tecido estranho de seu terno. Nas sombras, a lã preta sólida parecia mudar e
ferver, formando imagens de rostos em agonia, como se as almas perdidas
estivessem tentando escapar das dobras de sua roupa.
            A gravata era negra com listras de platina. Sua camisa era cinza
lápide. Seu rosto — o coração de Hazel quase saltou de sua garganta. Sua
pele era tão branca que parecia quase azul, como o leite frio. Ele tinha uma
ponta de cabelo preto gorduroso. Seu sorriso era gentil o suficiente, mas seus
olhos estavam inflamados e irritados, cheios de poder louco. Hazel tinha
visto aquele olhar nos noticiários do cinema. Este homem parecia
terrívelmente com Adolf Hitler. Ele não tinha bigode, mas de outra forma ele
poderia ter sido gêmeo de Hitler, ou seu pai.
            Hazel tentou se afastar. Mesmo quando o homem a soltou, ela não
conseguiu se mover. Seus olhos congelaram-na no lugar.
            — Hazel Levesque, — ele disse em uma voz melancólica. — Você
cresceu.
            Hazel começou a tremer. Na base das escadas, o cimento rachado
inclinou sob os pés do homem. Uma pedra brilhante apareceu do concreto
como se a terra cuspisse uma semente de melancia. O homem olhou para a
pedra, sem surpresa. Ele se abaixou.
            — Não!— Hazel chorou. —É amaldiçoado!
            Ele pegou a pedra, uma esmeralda perfeitamente formada. — Sim, é.
Mas não para mim. Tão bonito... vale mais do que este edifício, eu imagino.
            — Ele escorregou a esmeralda para seu bolso. — Sinto muito pelo seu
destino, criança. Eu imagino que você me odeie.
            Hazel não entendeu. O homem parecia triste, como se ele fosse
pessoalmente responsável por sua vida. Então veio a verdade: um espírito
em prata e preto, que tinha cumprido desejos de sua mãe e arruinou sua vida.
            Seus olhos se arregalaram. — Você? Você é meu...
            Ele colocou a mão sob o queixo. —Eu sou Plutão. A vida nunca é
fácil para os meus filhos, mas você tem um fardo especial. Agora que você
tem treze anos, devemos tomar providências.
            Ela empurrou a mão dele.
            — Você fez isso comigo? — Ela exigiu — Você amaldiçoou a mim
e a minha mãe? Você nos deixou sozinhas?
            Seus olhos ardiam com as lágrimas. Este homem branco rico em um
terno fino era seu pai? Agora que ela tinha treze anos, ele apareceu pela
primeira vez e dizendo que estava arrependido?
            — Você é mau! — Ela gritou. — Você arruinou nossas vidas!
            Os olhos de Plutão se estreitaram. — O que sua mãe lhe disse,
Hazel? Ela nunca explicou seu desejo? Ou disse porque você nasceu sob
uma maldição?
            Hazel estava zangada demais para falar, mas Plutão parecia ler as
respostas em seu rosto.
            — Não... — Ele suspirou. — Eu suponho que ela não disse. Muito
mais fácil me culpar.
            — O que você quer dizer?
            Plutão suspirou. — Pobre criança. Você nasceu muito cedo. Eu não
posso ver claramente o seu futuro, mas um dia você vai encontrar o seu
lugar. Um descendente de Netuno vai lavar a sua maldição e lhe dar paz.
Receio, porém, que não seja por muitos anos...
            Hazel não acompanhou nada disso. Antes que ela pudesse responder,
Plutão estendeu a mão. Um bloco de notas e uma caixa de lápis de cor
apareceu na palma de sua mão.
            — Eu entendo que você gosta de arte e equitação, — disse ele. —
Estes são para a sua arte. Já para o cavalo... — Seus olhos brilharam. — Isso,
você terá que lidar sozinha. Agora eu preciso falar com sua mãe. Feliz
aniversário, Hazel.
            Ele se virou e subiu as escadas — assim, como se tivesse riscado
Hazel fora de sua lista de “coisas para fazer” e já tivesse esquecido dela.
Feliz aniversário. Vá fazer um desenho. Vejo você em outros treze anos.
            Ela estava tão atordoada, tão irritada, tão de cabeça para baixo e
confusa que ela só ficou paralisada na base da escadaria. Ela queria jogar
fora o lápis de cor e pisar em cima deles. Ela queria acusar Plutão e depois
chutá-lo. Ela queria fugir, encontrar Sammy, roubar um cavalo, sair da
cidade e nunca mais voltar. Mas ela não fez nenhuma dessas coisas.
            Acima dela, a porta do apartamento abriu, e Plutão entrou.
            Hazel ainda estava tremendo de frio por causa de seu toque, mas ela
subiu as escadas para ver o que ele faria. O que ele diria para Rainha Marie?
Quem iria falar, a mãe de Hazel, ou aquela voz horrível?
            Quando ela chegou à porta, Hazel ouviu uma discussão. Ela espiou
para dentro.
            Sua mãe parecia ter voltado ao normal, gritando e com raiva,
jogando coisas ao redor do salão enquanto Plutão tentava argumentar com
ela.
            — Marie, é insanidade, — disse ele. — Você vai estar muito além
do meu poder para protegê-la.
            —Me proteger?— Rainha Marie gritou. — Quando você me
protegeu?
            O Terno escuro de Plutão brilhava, como se as almas presas no
tecido estivessem ficando agitadas.
            — Você não tem idéia, — disse ele. —Eu mantive você viva, você e
a criança. Meus inimigos estão por toda parte, entre deuses e homens. Agora,
com a guerra à frente, só vai piorar. Você deve ficar onde eu possa...
            — A polícia acha que eu sou uma assassina! — Rainha Marie gritou.
—Meus clientes querem me enforcar como uma bruxa! E Hazel, sua
maldição está piorando. Sua proteção está nos matando.
            Plutão estendeu as mãos num gesto de súplica. — Marie, por favor...
            —Não! — Rainha Marie virou-se para o armário, tirou uma valise
de couro, e atirou-a sobre a mesa. — Estamos saindo, — ela anunciou. —
Você pode manter sua proteção. Estamos indo para o norte.
            — Marie, é uma armadilha, — alertou Plutão. — Quem está
sussurrando em seu ouvido, quem está voltando-a contra mim...
            — Você me virou contra você! — Ela pegou um vaso de porcelana e
jogou nele. Ele quebrou no chão, e pedras preciosas derramado em todos os
lugares - esmeraldas, rubis, diamantes. A coleção inteira de Hazel.
            — Você não vai sobreviver, — disse Plutão. — Se você for para o
norte, você vai morrer. Posso prever isso claramente.
            — Saia! — Disse.
            Hazel desejou que Plutão ficasse e argumentasse. O que quer que
seja que sua mãe estava falando, Hazel não gostou. Mas o pai dela mexeu a
sua mão através do ar e se dissolveu em sombras... como se ele realmente
fosse um espírito.
            Rainha Marie fechou os olhos. Ela respirou fundo. Hazel ficou com
medo de que a voz estranha pudesse possuí-la novamente. Mas ela falou, e
era ela mesma.
            —Hazel, — ela retrucou, — saia de trás dessa porta.
            Tremendo, Hazel obedeceu. Ela apertou o bloco de notas e os lápis
coloridos contra o seu peito.
            Sua mãe estudou-a como se ela fosse uma amarga decepção. Uma
criança envenenada, as vozes tinham dito.
            — Faça as malas, — ela ordenou. — Estamos nos mudando.
            — On-onde? — Hazel perguntou.
            — Alaska, — respondeu a rainha Marie. — Você vai se tornar útil.
            Nós vamos começar uma nova vida.
            A forma como a mãe dela disse isso, soou como se estivessem indo
para criar uma “nova vida” para alguém ou alguma outra coisa.
            — O que Plutão quis dizer? — Hazel perguntou. — Ele é realmente
meu pai? Ele disse que você fez um desejo...
            — Vá para o seu quarto! — Sua mãe gritou. — Faça as malas!
            Hazel fugiu, e de repente ela foi arrancada do passado.


            Nico estava balançando seus ombros. — Você fez de novo.
            Hazel piscou. Eles ainda estavam sentados no teto do santuário de
Plutão. O sol estava baixo no céu. Mais diamantes tinham aparecido ao seu
redor, e seus olhos ardiam de tanto chorar.
            — S-sinto muito, — ela murmurou.
            — Não sinta, — disse Nico. —Onde você estava?
            — No apartamento da minha mãe. No dia em que nos mudamos.
            Nico concordou. Ele entendia a sua história melhor do que a maioria
das pessoas. Ele também era um garoto da década de 1940. Ele tinha nascido
poucos anos após Hazel, e tinha sido trancado em um hotel de magia por
décadas. Mas o passado de Hazel foi muito pior do que o de Nico. Ela
causou tantos danos e miséria...
            — Você tem que trabalhar em controlar essas memórias, — Nico
advertiu. — Se um flashback como esse acontecer quando você estiver em
combate...
            — Eu sei, — disse ela. — Estou tentando.
            Nico apertou a mão dela. — Está tudo bem. Eu acho que é um efeito
colateral de... você sabe, o seu tempo no Mundo Inferior. Esperançosamente
isso vai ficar mais fácil.
            Hazel não tinha tanta certeza. Depois de oito meses, os apagões
pareciam estar ficando piores, como se sua alma estivesse tentando viver em
dois diferentes períodos de tempo de uma vez. Ninguém jamais voltou dos
mortos, antes, pelo menos, não que ela saiba. Nico estava tentando
tranquilizá-la, mas nenhum deles sabia o que iria acontecer.
            — Eu não posso ir para o norte novamente, — disse Hazel. — Nico,
se eu tiver que voltar para onde tudo isso aconteceu...
            — Você vai ficar bem, — ele prometeu. — Você vai ter amigos
neste tempo. Percy Jackson, ele tem um papel a desempenhar nesse
processo. Você pode sentir, não pode? Ele é uma boa pessoa para se ter ao
lado.

Hazel se lembrou do que Plutão lhe disse há muito tempo: Um
descendente de Netuno vai lavar a sua maldição e te dar paz.
            Seria Percy? Talvez, mas Hazel sentiu que não seria tão fácil. Ela
não tinha certeza se mesmo Percy poderia sobreviver ao que estava
esperando no norte.
            — De onde ele veio? — Ela perguntou. — Por que os fantasmas o
chamam de grego?
            Antes que Nico pudesse responder, cornetas sopraram do outro lado
do rio. Os legionários se aglomeraram para a reunião da noite.
            — É melhor ir até lá, — disse Nico. — Eu tenho a sensação que os
jogos de guerra de hoje a noite vão ser interessantes.


Fim do capítulo VI.

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