quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O Filho de Netuno IV

Capítulo IV
Parte II


 Mesmo soando bizarro, Percy não teve problemas em acreditar. De
fato, soou familiar, como algo que ele sempre soube.
            — E você é da Quinta Coorte — ele adivinhou, — que talvez não
seja a mais popular?
            Hazel fez uma careta.
            — É. Entrei em Setembro.
            — Então... algumas semanas antes desse Jason desaparecer.
            Percy sabia que tinha acertado o ponto sensível. Hazel olhou para
baixo. Ela ficou em silêncio o bastante para contar cada pedra do pavimento.
            — Vamos lá — ela disse finalmente. — Vou te mostrar minha vista
favorita.

            Eles pararam do lado de fora das portas principais. A fortaleza
estava localizada no ponto mais alto do vale, então podiam ver tudo muito
bem.
            A rua levava para o rio e se dividia. Uma levava para o sul
atravessando uma ponte que levava à colina com todos os templos. A outra
levava ao norte para uma cidade em versão miniatura da Roma Antiga.
Diferente do acampamento militar, a cidade parecia caótica e colorida, com
prédios abarrotados de ângulos casuais. Mesmo daquela distância Percy
podia ver as pessoas reunidas na praça, compradores circulando pelo
mercado ao ar livre, pais com crianças nos parques.
            — Vocês têm famílias aqui? — ele perguntou.
            — Na cidade, é claro que sim — Hazel disse. — Quando se é aceito
na legião, você tem dez anos de serviço para prestar. Depois disso, você
pode ir para onde quiser. A maioria dos semideuses vai para o mundo
mortal. Mas para alguns — bem, é muito perigoso sair daqui. O vale é um
santuário. Você pode ir ao colégio na cidade, se casar, ter filhos, se aposentar
quando ficar velho. É o único lugar seguro na Terra para pessoas como nós.
Então, é, vários veteranos fazem suas casas ali, sob proteção da legião.
            Semideuses adultos. Semideuses que podem viver sem medo, se
casar, montar uma família. A mente de Percy não conseguia acreditar nisso.
Parecia bom demais pra ser verdade.
            — Mas e se o vale for atacado?
            Hazel apertou os lábios.
            — Temos defesas. As fronteiras são mágicas. Mas nossa força não é
o que costumava ser. Recentemente, os ataques de monstros vêm
aumentando. O que você disse sobre as górgonas não morrerem...
percebemos isso também, com outros monstros.
            — Sabe o que está causando isso?
            Hazel olhou ao longe. Percy sabia que ela estava escondendo algo —
algo que não era para ela dizer.
            — É... é complicado — ela disse. — Meu irmão disse que a Morte
não é...
            Ela foi interrompida por um elefante.
            Alguém atrás dele gritou:
            — Abram caminho!
            Hazel arrastou Percy para fora da estrada enquanto um semideus
passava montado em um paquiderme adulto coberto em armadura Kevlar * (Kevlar
é uma marca registrada da DuPont para uma fibra sintética de aramida muito resistente
e leve. Trata-se de um polímero resistente ao calor e sete vezes mais resistente que o aço
 por unidade de peso. O kevlar é usado na fabricação de cintos de segurança, cordas,
construções aeronáuticas, velas, coletes à prova de bala, linha de pesca, na fabricação de
alguns modelos de raquetes de tênis e para fitas de alguns modelos de pedal de bumbo.)
preta. A palavra elefante estava gravada do lado da armadura, o que parecia
meio óbvio para Percy.
            O elefante estrondeou na estrada e se virou para o norte, indo em
direção a um grande campo aberto onde algumas fortificações estavam sob
construção.
            Percy cuspiu o pó da boca.
            — O que o...?
            — Elefante — Hazel explicou.
            — É, eu li a placa. Por que vocês têm um elefante em um colete à
prova de balas?
            — Jogos de guerra hoje à noite — Hazel disse. — Esse é Hannibal.
Se não o incluir, ele fica triste.
            — O que não podemos permitir.
            Hazel riu. Era difícil acreditar que ela estava tão melancólica há
pouco tempo atrás. Percy se perguntou sobre o quê ela estava prestes a falar.
Ela tinha um irmão. Mesmo assim ela havia dito que estaria sozinha se o
acampamento a classificasse por seu parente divino. Percy não conseguia
imaginar. Ela parecia uma pessoa boa e legal, madura para alguém que não
podia ter mais que treze anos. Mas ela também parecia estar escondendo
uma tristeza profunda, como se sentisse culpada por alguma coisa.
            Hazel apontou para o sul, do outro lado do rio. Nuvens escuras
estavam se juntando no Templo da Colina. Clarões vermelhos de relâmpago
lavavam os monumentos em luz cor de sangue.
            — Octavian está ocupado — Hazel disse. — É melhor chegarmos lá.


            No caminho eles passaram por alguns caras com pernas de bode
perambulando do lado da estrada.
            — Hazel! — um deles gritou.
            Ele trotou com um sorriso largo no rosto. Vestia uma camisa
havaiana desbotada e nada de calças exceto o pelo amarronzado de bode.
Seu enorme cabelo afro balançava. Seus olhos estavam escondidos por baixo
dos óculos cor de arco-íris. Ele segurava um cartaz de papelão que dizia
VOU TRABALHAR CAMINHANDO E CANTANDO embora por
denários *( Antiga moeda romana ).
            — Oi, Don — Hazel disse. — Desculpa, não temos tempo...
            — Ah, que legal! Que legal! — Don trotou junto deles. — Ei, esse
cara é novato! — Ele apontou para Percy. — Você tem três denários para o
ônibus? Porque deixei minha carteira em casa, e tenho que trabalhar, e...
            — Don — Hazel censurou. — Faunos não têm carteiras. Ou
trabalhos. Ou casas. E nós não temos ônibus.
            — Tá legal — ele disse alegremente — mas você tem denários?
            — Seu nome é Don, o Fauno? — Percy perguntou.
            — É. Então?
            — Nada — Percy tentou manter a cara de sério. — Por que faunos
não têm trabalho? Eles não deviam trabalhar para o acampamento?
            Don bufou.
            — Faunos! Trabalharem para o acampamento! Hilário!
            — Faunos são, hm, espíritos livres — Hazel explicou. — Eles
aparecem por aqui porque, bem, é um lugar seguro para aparecer e mendigar.
            — Ah, a Hazel é incrível! — Don disse. — Ela é tão legal! Todos os
outros campistas são tipo, ‘vá embora, Don’. Mas ela é tipo ‘por favor vá
embora, Don’. Eu adoro ela!
            O fauno pareceu contente, mas Percy ainda o achava fora de lugar.
Não pôde tirar a impressão de que faunos deviam ser mais que mendigos
pedindo denários.
            Don olhou para o chão na frente deles e engasgou. — Ahá!
            Ele estendeu a mão para alguma coisa, mas Hazel gritou:
            — Don, não!
            Ela o tirou do caminho e pegou um pequeno objeto reluzente. Percy
o viu de relance antes de Hazel o jogar no bolso. Ele podia jurar que era um
diamante.
            — Qual é, Hazel — Don reclamou. — Eu poderia comprar
rosquinhas por um ano com isso!
            — Don, por favor — Hazel disse. — Vá embora.
            Ela soou abalada, como se tivesse acabado de salvar Don do peso de
um elefante à prova de balas.
            

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