Parte I
NO CAMINHO PARA FORA DO ACAMPAMENTO, Hazel comprou
um café expresso e um bolinho de cereja de Bombilo, o vendedor de café de
duas cabeças.
Percy devorou o bolinho. O café estava ótimo. Agora, Percy pensou,
se ele pudesse tomar um banho, trocar de roupa e dormir um pouco, ele
estaria ouro. Talvez até ouro imperial.
Ele viu um grupo de crianças de trajes de banho e toalhas na cabeça
em um prédio que tinha vapor saindo de uma carreira de chaminés. Risos e
sons de água ecoavam de dentro, como uma piscina interna — o tipo de
lugar que Percy adorava.
— Casa de Banho — Hazel disse. — Vamos te levar para lá depois
do jantar, espero. Você não viveu até ter tido um banho romano.
Percy suspirou exasperado.
Enquanto se aproximavam do portão da frente, os quartéis ficavam
maiores e mais bonitos. Até os fantasmas pareciam melhores — com
armaduras mais extravagantes e auras mais brilhantes. Percy tentou decifrar
os símbolos nos cartazes suspensos nas frentes dos prédios.
— Vocês são divididos em chalés diferentes? — ele perguntou.
— Mais ou menos — Hazel se abaixou como uma criança montada
em uma águia gigante mergulhando. —Temos cinco Coortes * (Coortes é o nome
de uma forma romana de divisão dos exércitos. Uma ala de um exército.) de quarenta
crianças cada. Cada Coorte é dividida em quartéis de dez — como, tipo
colegas de quarto.
Percy nunca foi bom em matemática, mas tentou multiplicar.
— Está me dizendo que tem duzentas crianças nesse acampamento?
— Por aí.
— E todas elas são filhas de deuses? Os deuses têm ficado
ocupados.
Hazel riu.
— Nem todas elas são filhas de deuses maiores. Centenas são de
deuses romanos menores. Além disso, muitos dos campistas são legados —
segunda ou terceira geração. Talvez seus pais tenham sido semideuses. Ou
seus avós.
Percy piscou.
— Filhos de semideuses?
— Por quê? Isso te deixa surpreso?
Percy não tinha certeza. Nas últimas semanas ele esteve tão
preocupado com sobreviver dia a dia. A ideia de viver o bastante para ser um
adulto e ter filhos — isso parecia um sonho impossível.
— Esses legad...
— Legados — Hazel corrigiu.
— Eles têm poderes como um semideus?
— Ás vezes sim. Ás vezes não. Mas podem ser treinados. Os
maiores generais e imperadores romanos — sabe, todos eles foram
reclamados como descendentes dos deuses. Na maior parte do tempo
estavam falando a verdade. O adivinho do acampamento que vamos
conhecer, Octavian, é um legado, descendente de Apolo. Ele tem o dom da
profecia, supostamente.
— Supostamente?
Hazel fez uma cara azeda.
— Você verá.
Isso não fez Percy se sentir melhor, se esse Octavian tinha o destino
de Percy nas mãos.
— Então, essas divisões — ele perguntou — as Coortes, sei lá o
quê... vocês foram divididos de acordo com seu parentesco divino?
Hazel o encarou.
— Que ideia terrível! Não, os oficiais decidem onde colocar os
recrutas. Se fossemos divididos de acordo com o deus, as Coortes seriam
todas desiguais. Eu ficaria sozinha.
Percy sentiu uma pontada de tristeza, como se ele estivesse nessa
situação.
— Por quê? Qual é seu ancestral?
Antes de poder responder, alguém atrás deles gritou:
— Espere!
Um fantasma correu na direção dela — um senhor com um
medicamento no estômago e uma toga tão longa que ficava tropeçando nela.
Ele os alcançou e recuperou o fôlego, sua aura roxa tremendo a seu redor.
— É ele? — o fantasma apontou. — Um novo recruta para a Quinta,
talvez?
— Vitellius — Hazel disse — estamos meio com pressa.
O fantasma fez uma careta para Percy e caminhou ao redor dele,
inspecionando-o como um carro usado.
— Não sei — ele grunhiu. — Só precisamos do melhor para a
Coorte. Ele tem todos os dentes? Consegue lutar? Ele limpa os estábulos?
— Sim, sim e não — Percy disse. — Quem é você?
— Percy, esse é Vitellius — a expressão de Hazel disse: Somente
faça a vontade dele. — Ele é um de nossos lares, tem um interesse em novos
recrutas.
Na varanda próxima, outros fantasmas riram enquanto Vitellius ia e
vinha, tropeçava na toga e passava por cima do cinto da espada.
— É — Vitellius disse — nos dias de César — Júlio César, lembrese
— a Quinta Coorte tinha alguma coisa! Vigésima Legião Fulminata,
orgulho de Roma! Mas nesses dias? A vergonha veio a nós. Olhe para Hazel,
usando uma spatha. Arma ridícula para uma legionária romana — é para
cavalaria! E você, garoto — você cheira como um cano de esgoto grego.
Não tem tomado banho?
— Estive meio ocupado lutando com górgonas — Percy disse.
— Vitellius — Hazel interrompeu — temos que ler os agouros de
Percy antes de ele poder entrar. Por que não vai ver Frank? Ele está no
arsenal checando o inventário. Sabe quanto ele valoriza sua ajuda.
As sobrancelhas peludas e roxas do fantasma se ergueram.
— Marte Todo-Poderoso! Eles deixaram o probatio checar o
armamento? Seremos arruinados!
Ele saiu cambaleando pela rua, parando sempre a alguns metros para
pegar sua espada ou arrumar sua toga.
— Ceeeeerto — Percy disse.
— Desculpe — Hazel disse. — Ele é excêntrico, mas é um dos lares
mais velhos. Está por aqui desde que a legião foi fundada.
— Ele chamou a legião de... Fulminata? — Percy disse.
— Armada do Relâmpago — Hazel traduziu. — É nosso lema. A
Vigésima Legião participou do Império Romano inteiro. Quando Roma caiu,
várias legiões desapareceram. Fomos para o subterrâneo, agindo sob ordens
secretas do próprio Júpiter: ainda vivo, recrutando semideuses e seus filhos,
mantendo Roma. E foi assim desde então, se mudando para onde quer que a
influência romana estivesse mais forte. Nos últimos séculos, estivemos na
América.
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