sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O Filho de Netuno VI

Capítulo VI
Parte UM


VI

Hazel




HAZEL ESTAVA CAMINHANDO PARA CASA SOZINHA pelos
estábulos. Apesar da noite fria, ela estava vibrando de calor. Sammy tinha
apenas a beijado na bochecha.
            O dia tinha sido cheio de altos e baixos. Crianças na escola
brincavam com ela sobre sua mãe, chamando-a de bruxa e um monte de
outros nomes. Isso vinha acontecendo há muito tempo, é claro, mas foi
piorando. Boatos foram se espalhando sobre maldição de Hazel. A escola era
chamada Academia St. Agnes para Crianças de Cor e Indígenas, um nome
que não tinha mudado em cem anos. Assim como seu nome, o lugar
mascarava um monte de crueldade sob um fino verniz de bondade.
            Hazel não entendia como outras crianças negras poderiam ser tão
más. Elas deveriam ter se conhecido melhor, já que elas mesmos tinham que
aturar xingamentos. Mas eles gritaram com ela e roubaram seu almoço,
sempre pedindo aquelas jóias famosas:
            — Onde estão os diamantes amaldiçoados, menina? Me dê um
pouco ou vou te machucar! — Eles empurravam-na na fonte de água, e
atiravam pedras se ela tentasse abordá-los no parque infantil.
            Apesar do quanto eles eram horríveis, Hazel nunca lhes deu
diamantes ou ouro. Ela não odiava ninguém tanto assim. Além disso, ela
tinha um amigo, Sammy, e isso era o suficiente.
            Sammy gostava de brincar que ele era o perfeito estudante de St.
Agnes. Ele era mexicano-americano, de modo que ele se considerava de cor
e indígena.
            — Eles deveriam me dar uma bolsa dupla, — dizia ele.
            Ele não era grande ou forte, mas ele tinha um sorriso louco e fazia
Hazel rir.
            Naquela tarde ele levou-a para os estábulos, onde trabalhava como
um cavalariço. Era um clube de equitação para “brancos apenas”, é claro,
mas era fechado em dias de semana, e com a guerra, falava-se que o clube
poderia ter que desligar-se completamente até que os japoneses fossem
chicoteados e os soldados voltassem para casa. Sammy podia geralmente se
esgueirar para ajudar Hazel a cuidar dos cavalos. De vez em quando eles iam
cavalgando.
            Hazel amava cavalos. Eles pareciam ser os únicos seres vivos que
não tinham medo dela. Pessoas a odiavam. Gatos sibilavam. Cães rosnavam.
Mesmo os estúpidos hamsters da sala de aula da senhorita Finley
guinchavam de terror quando ela lhes dava uma cenoura. Mas os cavalos não
se importavam. Quando ela estava na sela, ela podia andar tão rápido que
não havia nenhuma possibilidade de pedras preciosas surgirem em seu
rastro. Ela quase sentia-se livre de sua maldição.

            Naquela tarde, ela tinha tirado um garanhão alazão castanho lindo
com uma juba negra. Ela galopou para o campo tão rapidamente que ela
deixou Sammy para trás. No momento que eles emparelharam, ele e seu
cavalo estavam ambos sem fôlego.
            — Do que você está correndo? — Ele riu. — Eu não sou tão feio,
sou?
            Estava frio demais para um piquenique, mas eles fizeram um de
qualquer maneira, sentados sob uma árvore de magnólia com os cavalos
amarrados a uma cerca de divisão ferroviária. Sammy trouxe-lhe um bolinho
com uma vela de aniversário, que tinha ficado esmagado no passeio, mas
ainda era a coisa mais doce que Hazel já tinha visto. Eles cortaram ao meio e
compartilharam.
            Sammy falou sobre a guerra. Ele desejava que tivessem idade
suficiente para ir. Ele perguntou a Hazel se ela iria escrever-lhe cartas se ele
fosse um soldado indo para o exterior.
            — É Claro, estúpido, — disse ela.
            Ele sorriu. Então, como se movido por um impulso repentino, ele
cambaleou para a frente e a beijou na bochecha.
            —Feliz aniversário, Hazel.
            Não era muito. Apenas um beijo, e nem mesmo nos lábios. Mas
Hazel sentia como se estivesse flutuando. Ela mal se lembrava da cavalgada
de volta para os estábulos, ou de dizer adeus à Sammy.
            Ele disse:
            — Vejo você amanhã, — como sempre fazia. Mas ela nunca mais o
veria novamente.
            No momento em que ela voltou para o Bairro Francês, estava
ficando escuro. Enquanto ela se aproximava de casa, sua sensação de calor
desapareceu, substituída pelo pavor.
            Hazel e sua mãe, a rainha Marie, como ela gostava de ser chamada,
viviam em um velho apartamento em cima de um clube de jazz. Apesar do
início da guerra, havia um clima festivo no ar. Novos recrutas perambulavam
pelas ruas, rindo e falando de combater os japoneses. Eles fariam tatuagens
nas salas de estar ou se declarariam para seus amores nas calçadas. Alguns
poderiam subir para a mãe de Hazel ler sua sorte ou comprar encantos de
Marie Levesque, a famosa rainha grisgris * (é um amuleto usado por negros
africanos. Acho que como a mãe de Hazel era uma espécie de mística, a chamavam por este nome..)
            — Você ouviu? — Um dizia. — Duas moedas por este amuleto de
boa sorte. Eu o levei para um cara que eu conheço, e ele disse que é uma
pepita de prata verdadeira. Vale vinte dólares! Aquela mulher vodu é louca!
            Por um tempo, esse tipo de conversa trouxe para Rainha Marie um
monte de negócios. A maldição de Hazel tinha começado lentamente. No
início parecia uma bênção. As pedras preciosas e o ouro só apareciam de vez
em quando, e nunca em grandes quantidades. Rainha Marie pagou suas
contas. Eles comiam bife no jantar uma vez por semana. Hazel até arranjou
um vestido novo. Mas, então, histórias começaram a se espalhar. Os
moradores começaram a perceber quantas coisas horríveis aconteciam com
as pessoas que compravam os encantos de boa sorte ou foram pagos com o
tesouro da Rainha Marie. Charlie Gasceaux perdeu o braço em uma
colheitadeira enquanto usava um bracelete de ouro. Sr. Henry da loja geral
caiu morto de um ataque cardíaco depois de rainha Marie fixar um rubi em
sua lapela.
            Pessoas começaram a sussurrar sobre Hazel, de como ela podia
encontrar jóias amaldiçoadas ao caminhar pela rua. Nestes dias apenas
forasteiros vinham visitar sua mãe, e não muitos deles, também. A mãe de
Hazel havia se tornado temperamental. Ela dava a Hazel olhares ressentidos.
            Hazel subiu as escadas o mais silenciosamente que pôde, no caso de
sua mãe ter um cliente. No andar de baixo do clube, a banda estava afinando
seus instrumentos. A padaria ao lado tinha começado a fazer beignets * (é uma
massa, parecida com Donuts, polvilhada com açúcar de confeiteiro,às vezes com recheio.) para
a manhã seguinte, enchendo as escadas com o cheiro de manteiga
derretendo. Quando ela chegou ao topo, Hazel pensou ter ouvido duas vozes
dentro do apartamento. Mas quando ela espiou na sala, sua mãe estava
sentada sozinha na mesa de sessão, os olhos fechados, como se estivesse em
transe. Hazel a tinha visto dessa forma, muitas vezes, fingindo falar com
espíritos para seus clientes, mas nunca quando ela estava sozinha. A Rainha
Marie havia sempre dito a Hazel que seu gris-gris era “bobeira e falso”. Ela
realmente não acreditava em amuletos ou adivinhação ou fantasmas. Ela era
apenas uma artista, como um cantor ou uma atriz, fazendo um show por
dinheiro.
            Mas Hazel sabia que sua mãe acreditava em alguma mágica. A
maldição de Hazel não era bobagem. Rainha Marie só não queria pensar que
era culpa dela, que de alguma forma ela tinha feito Hazel da forma como ela
era.
            —Foi seu maldito pai, — Rainha Marie resmungava em seu estado
de espírito mais negro. — Ao vir aqui em sua fantasia prateada e terno preto.
A única vez que eu realmente invoquei um espírito, e o que eu ganho? Ele
satisfez o meu desejo e arruinou minha vida. Eu deveria ter sido uma rainha
real. A culpa é dele se você saiu desta forma.
            Ela nunca pode explicar o que ela queria dizer, e Hazel havia
aprendido a não perguntar sobre seu pai. Isso apenas irritava mais sua mãe.
            Enquanto Hazel observava, Rainha Marie murmurou algo para si
mesma. Seu rosto estava calmo e relaxado. Hazel ficou impressionada com o
quão bela ela parecia, sem sua carranca e os vincos em sua testa. Ela tinha
uma juba exuberante de ouro marrom, cabelo como o de Hazel, e a mesma
pele escura, marrom como um grão de café torrado. Ela não estava usando as
vestes cor de açafrão extravagantes ou pulseiras de ouro que ela usava para
impressionar clientes, apenas um simples vestido branco. Ainda assim, ela
tinha um ar majestoso, sentando-se em linha reta e com dignidade na sua
cadeira dourada, como se ela realmente fosse uma rainha.
            — Você estará segura aqui, — ela murmurou. — Longe dos deuses.
            Hazel abafou um grito. A voz que vinha da boca de sua mãe não era
dela. Parecia uma mulher mais velha. O tom era suave e calmante, mas
também de comando, como um hipnotizador dando ordens.
            Rainha Marie ficou tensa. Ela fez uma careta durante seu transe, e
então falou com sua voz normal:
            —É muito longe. Muito frio. Muito perigoso. Ele me disse que não.
            A outra voz respondeu:
            — O que ele já fez por você? Ele lhe deu uma criança envenenada!
Mas podemos usar seu dom para o bem. Podemos contra-atacar os deuses.

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